Ontem antes de dormir eu li uma
história sobre um famoso físico dinamarquês que um dia decidiu escalar a parede
de um banco em Copenhague às duas da manhã. Dois policiais viram a cena e iam
interceder quando um deles interrompeu a ação: “deixa pra lá, é o Professor Bohr.” Hoje depois de acordar eu olhei
para o termômetro do lado de fora da janela e notei que essa é uma manhã de 8
graus na Noruega. Sai para a universidade e ao passar em frente ao supermercado
pensei em como é bom o pão que vende-se em supermercados por aqui. Lembrei
então do filme “Os miseráveis” que assisti recentemente. Talvez tenha sido o pão,
talvez os miseráveis, talvez o fato de eu ser um nordestino em uma terra
estranha, talvez tenha sido o Prof. Bohr, eu não sei, a cabeça opera de
maneiras incomuns pela manhã, mas o fato é que a minha, depois de encadear os
pensamentos Bohr-frio-pão-miseráveis, entendeu que o próximo pensamento não
podia ser outro senão aquele sobre a construção de Brasília. Eram uns outros
nordestinos em uma outra terra estranha. Naquele tempo, Brasília ficava mais
longe do nordeste do que a Noruega. Ao lembrar daqueles trabalhadores,
vieram-me as palavras “fome, sede e medo”. Notei então como essas palavras
conectam-se, como são capazes de gerar um contexto, como se algo fluísse por
entre elas, uma linha em comum que faz com que as palavras mostrem algumas
faces distintas de um objeto mais fundamental, um outro objeto, uma coisa maior
assim que eu não sei chamar pelo nome porque não sei o nome que tem. A simetria
adicional consoante-vogal-consoante presente em fome-sede-medo traz um compasso,
um ritmo, que, de certo modo, ajuda a fluir aquela coisa que flui entre as
palavras. Alguém precisa começar a dar nome a essas coisas. Todas as palavras
são estranhas e esse texto acaba por aqui porque acabaram-me as palavras antes
mesmo de começar o texto. Vai ser um quase-texto.